A medida é vendida pelo governo como uma “solução criativa” para lidar com o represamento de atendimentos especializados, mas levanta questionamentos sobre a real capacidade do Estado de fiscalizar a qualidade desses serviços e garantir que a dívida seja paga com eficiência e não com promessas vagas.
A portaria foi anunciada nesta segunda-feira (28) pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, com apoio da AGU e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Estima-se que, neste primeiro momento, R$ 750 milhões em dívidas com o SUS sejam convertidos em serviços, priorizando especialidades como ginecologia, cardiologia, oncologia, ortopedia, otorrinolaringologia e oftalmologia.
A partir de agosto pacientes do SUS poderão ser atendidos por planos de saúde
Plano de saúde vira parceiro do SUS
Segundo o governo, operadoras de planos de saúde com débitos de ressarcimento ao SUS poderão aderir ao programa via plataforma InvestSUS. A adesão depende de análise técnica da ANS e da Procuradoria-Geral Federal. Se os serviços prestados forem considerados compatíveis com as demandas da rede pública, a dívida será abatida por meio de atendimentos efetivos.
O que chama atenção é o tamanho da dívida em aberto: são bilhões acumulados ao longo dos anos que, na prática, nunca voltaram aos cofres públicos. Agora, o governo tenta usar esse passivo como moeda para destravar filas mesmo sem garantir que os atendimentos ocorrerão dentro de padrões de qualidade e sem desvio de finalidade.
Padilha tenta vender como revolução do SUS
“Estamos transformando dívidas que não conseguimos recuperar em cirurgias, exames e consultas”, afirmou o ministro Alexandre Padilha. Segundo ele, o novo modelo representa uma virada de chave no SUS. “É a primeira vez que essas dívidas podem ser transformadas diretamente em mais atendimentos.”
A declaração, no entanto, omite um ponto crucial: o uso do Fundo Nacional de Saúde continua amarrado por regras fiscais. Ou seja, mesmo com a conversão da dívida, os serviços só chegarão ao cidadão se o governo conseguir operacionalizar, fiscalizar e garantir cumprimento. É uma aposta arriscada.
Brasil atrasado e a conta chega no paciente
A proposta vem em meio a uma crise silenciosa no sistema público. Segundo o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), mais de 370 mil mortes por ano estão relacionadas ao atraso no diagnóstico de doenças não transmissíveis. O INCA mostra que o custo do tratamento do câncer aumenta 37% quando o diagnóstico é tardio. E, no caso do câncer de mama, o país ainda precisa ampliar em 60% a quantidade de biópsias.
A urgência é real. Mas a solução passa por uma estrutura que precisa funcionar sem os vícios do setor público. Se o programa virar apenas um jogo de planilhas sem resultado prático para o cidadão, será mais uma promessa com cara de propaganda.
Fonte: Brasil 61